POMERANA

Coluna Pomerana

Os imigrantes e os indígenas: um início conturbado

Publicado em 04/02/2019 às 15:43

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O desconhecido sempre causa insegurança, mas a necessidade de buscar melhores condições de vida muitas vezes desloca multidões. Entre vários outros motivos, a falta de esperança em sua terra natal é grande motivação para migrações pelo mundo afora.

indios1Os movimentos migratórios sempre existiram e todos possuem uma característica em comum: não saber ao certo o que os imigrantes encontrarão no local de destino. Basta observar as atuais correntes migratórias da América Central rumo ao México e Estados Unidos, ou ainda, os refugiados da África e do Oriente Médio em busca de segurança numa Europa assustada com o grande contingente de pessoas chegando ao continente.

indios2Para o Brasil, imigrantes de várias partes do mundo fizeram esse movimento e, da mesma forma, os germânicos que aqui chegaram, predominantemente na segunda metade do século XIX, não tinham clareza do que encontrariam nas terras do Vale do Itajaí. Certamente se surpreenderam, pois tudo estava por fazer. A terra “selvagem” reservava grandes surpresas, entre elas o fato de estas terras “já estarem ocupadas” pelos indígenas ou silvícolas. A região das encostas, o interior das florestas, os vales e o planalto era habitado pelos Kaigangs e Xoklengs, também denominados de botocudos ou, na época, chamados de bugres, ou simplesmente selvagens.

Com o crescimento da colônia Blumenau e seu avanço para o interior das matas virgens, inúmeras expedições foram realizadas, e o encontro entre os imigrantes e indígenas era cada vez mais frequente. Sobre uma dessas expedições, comandada por Emil Odebrecht em 1868, Karl Kleine relata, conforme publicado no Blumenau, em cadernos de maio/junho de 2001, como foram encontros com os nativos: “…logo na primeira viagem, percebemos que éramos observados pelos índios, nunca nos atacaram, mas de vez em quando se faziam ouvir para sabermos que estavam presentes, por isso, todas as noites montávamos guarda, pois não sabíamos se tinham ou não más intenções. Na maioria eram grupos de seis a oito pessoas, mas certa vez encontramos o acampamento de uma tribo inteira, lá, ainda se encontravam as suas cabanas, abandonadas no máximo uns três dias. Haviam derrubado salgueiros junto ao rio, colhido o mel das colmeias e vasculhado as árvores apodrecidas à procura de larvas, que eram um delicioso petisco. Estranhamente, os bugres ou botocudos, como são denominados os indígenas locais, mesmo perseguidos, quase nunca apagavam os seus rastros.”

indios3Por outro lado, conforme outros registros, os primeiros contatos dos imigrantes com os indígenas resultavam em inúmeras mortes, e as relações eram conflituosas.

Neste artigo, não faremos julgamento de qual lado deste conflito tinha razão; buscamos relatar os fatos ocorridos e que fazem parte da história do Vale do Itajaí. Os imigrantes aqui chegavam fugindo de sua terra-mãe por falta de perspectiva de dias melhores e sem ter clareza do que encontrariam.

No livro “A Colônia Alemã Blumenau na Província de Santa Catarina no Sul do Brasil”, escrito originalmente em alemão pelo próprio Dr. Blumenau e publicado em 1856, ele apresenta, numa condição de relatórios, várias observações gerais sobre a colonização e descrições do Vale do Itajaí como local de opção para imigrantes.

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No entanto, não se observam menções aos silvícolas nesse sentido, os imigrantes não tinham clareza de que aqui encontrariam indígenas e que com eles, de certa forma, teriam que disputar terras.

Chegavam aqui na sua maioria como agricultores e, para sobreviver, tinham que beneficiar a terra. Por sua vez, os silvícolas aqui viviam e já ocupavam o território em meio à natureza sobrevivendo do que caçavam na fauna riquíssima.

O governo Imperial estimulava a vinda de imigrantes para ocupar as terras brasileiras devolutas, ou seja, o próprio governo ignorava completamente a presença indígena, não considerando que, na verdade, as “terras já estavam ocupadas”. Em Pomerode, há registros de muitos conflitos entre imigrantes e indígenas, bem como muitos achados de artefatos indígenas, o que revela que o Vale do Rio do Testo era intensamente habitado pelos nativos. (O pomerodense Curt Artur Weege relata no livro 500 anos de Pomerode que, quando criança, ao capinar na beira do Rio do Testo, encontrou um machado indígena, uma espécie de “chapa” feita com pedrinhas brancas do rio. Curt destaca que, quando passavam com o arado por cima destes objetos, fazia um barulho diferente e logo encontravam essas peças indígenas.) Os nativos eram presença constante na região, e conflitos eram inevitáveis.

indios5Um dos primeiros incidentes de que se tem registro ocorreu na então picada hoje denominada de Rua Luiz Abry (centro da cidade), em lotes ocupados pelos imigrantes Ferdinand Fischer, Karl Zibell, Max Selke, Hermann Konell, Hermann Maass, Ludwig Dallmann e Luiz Abry. Mas ataques por parte dos nativos ocorriam preferencialmente nas cabeceiras dos rios Cedro, Testo, Massaranduba e Itoupava. No fascículo “Pomerode sua história, sua Cultura, suas Tradições” de 1987, há vários registros de conflitos, destacando-se o seguinte: “…certo dia, o colono Karl Zibell surpreendeu um grupo de botocudos em suas plantações de milho. Muniu-se da espingarda, uma das poucas armas de fogo existentes. Chegando a certa distância do grupo, disparou a arma contra os indígenas, dispersando-os num corre-corre para todas as direções, sem que pudessem reagir com seus arcos e flechas. Após tal fato, conta-se que nunca mais os índios invadiram propriedades daquela região, amedrontados pelas armas de fogo…”.

indios6O pomerano Klaus Granzow, numa de suas passagens por Pomerode na década de 1970, também ficou impressionado com o relato do Sr. Fritz Ninow, que na sua própria juventude ainda testemunhou ataques indígenas. Ninow destacou, na ocasião, que certa vez um jovem pomerano chamado Martin havia sido feito prisioneiro dos “bugres”, sendo obrigado a acompanhar as caças dos índios e participar dos rituais. Quando ficou mais velho, foi-lhe dada uma esposa, a filha do cacique da tribo, e com ela teve uma filha. No entanto, a saudade que Martin tinha de Pomerode o perseguia, e numa das passagens dos índios pelo rio Itajaí conseguiu fugir e voltou para sua terra.

Ao retornar, os pomerodenses não o reconheceram, somente acreditaram nele quando começou a falar em pomerano/platt. Martin conhecia bem o comportamento dos índios; assim, ficou fácil descobrir e observar o local das ocas. Martin sabia que os indígenas bebiam uma espécie de aguardente nas festas e dormiam por vários dias seguidos. Sr. Fritz Ninow também confidenciou a Klaus Granzow que os pomeranos usavam uma interessante estratégia para afastar os índios da região do vale. Para que os bugres não matassem ou roubassem as criações, os próprios colonos colocavam umas cabeças de gado e bezerros perto da mata, de modo que os índios se fartassem com o alimento.

Com seus 84 anos, Fritz Ninow comentava de forma aliviada que “lá em cima (região de Ibirama), agora podem viver tranquilamente e em paz”. Cabe mencionar que na primeira geração (os imigrantes), o medo dos ataques indígenas inibiu muito o desenvolvimento na região, a segunda geração já nascida no Brasil não se intimidava mais com a presença dos povos indígenas. Certamente os indígenas e os imigrantes não desejaram essas disputas, muito menos, frequentes encontros em busca da sobrevivência.

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