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Coluna Pomerana

Comunidades livres e escolas pomeranas – Parte II

Publicado em 22/12/2023 às 11:53

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Folha Pomerana Express | Um informativo a disposição da Comunidade Pomerana Brasileira
Franz Lerchenmüller
Correspondência Cultural da Europa Oriental Nº 510

Dezembro de 2023
Tradução Ivan Seibe
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Religião e educação estiveram imbricados no processo de colonização alemã no sul do Brasil, pois tanto os católicos quanto os luteranos estabeleceram estreita relação entre a Igreja e Escola.

Fig. I: Professor Krüger com alunos
Fonte: Doralice Meyer

Em muitas colônias, os prédios estavam lado a lado, quando não era um só, dando maior racionalidade e funcionalidade aos recursos da comunidade. O sacerdote, fosse o padre ou pastor, exercia, também, a função de professor” (FACHEL, 2002, p. 150). Abaixo, figura I, o professor Guilherme Augusto Bertholdo Krüger com seus alunos.
O professor José Plínio Guimarães Fachel (2002) lembra também de um relatório publicado em Berlim em 1898, de autoria do professor e pastor Carl Otto Ullrich sobre as colônias alemãs da região de Pelotas onde entre outras coisas afirma que: “Muito poucos luso-brasileiros no interior possuem instrução escolar, comparada com a instrução alemã que é diferente. Enquanto os brasileiros aguardavam pacientemente pelo governo identificar a necessidade e instalar uma escola pública, os alemães se viravam sozinhos sabendo que a espera por providências do governo nesse sentido deixaria seus filhos esperando por uma escola”. Professor Fachel vai mais longe, quando registra que até o início do Estado Novo, as autoridades governamentais haviam se omitido de prestar serviços educacionais nas colônias. E mais: O conflito religioso e os preconceitos dificultaram a união de recursos para a construção de uma só escola interconfessional, resultando daí a construção separada de escolas católicas e luteranas.

Esta situação mudou de forma drástica com o golpe de estado de Getúlio Vargas instituindo o Estado Novo no sentido de prorrogar sua permanência como presidente da república em 10 de novembro de 1937. O regime totalitário tinha como um dos projetos a nacionalização.

Fig. 2: Escola vandalizada
Fonte: Hammes (2014, p. 591)

Paralelo aos projetos de governo, em 1939 surgiu o fato que precipitou a intervenção governamental nas escolas e nas igrejas: a II Guerra Mundial. Por incrível que possa parecer, uma vertente militar do governo Vargas defendia o apoio ao governo nazista de Adolf Hitler. Com os acontecimentos, afundamento de navios brasileiros prevaleceu o apoio aos aliados. E a questão escolas e religião chegaram à vigilância da polícia.
Professores de origem teuta foram afastados, as escolas foram estatizadas e aqueles professores que utilizavam a língua alemã foram substituídos por outros de origem lusa. O fundo do poço foi a destruição de escolas no interior em agosto de 1942, por vândalos, revoltados com os denominados “súditos do Eixo”. Acima uma imagem de escola vandalizada como figura 2: Este foi o marco sinalizando o fim definitivo das escolas pertencentes às comunidades luteranas no município e a entrada definitiva do poder público como responsável por escolas, professores e educação das crianças.

Com relação às comunidades independentes esse cenário não mudou durante ou depois da II Guerra Mundial. Elas continuaram. Algumas acabaram se filiando a IECLB. E ainda hoje continuam com uma representatividade significativa em São Lourenço do Sul. Tamara Oswald (2014) em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) identificou dezessete comunidades independentes no município de São Lourenço do Sul, contra vinte e três pertencentes à IECLB e oito da IELB. Chama a atenção que a grande maioria das comunidades independentes se encontra exatamente em uma região colonizada pelos pomeranos, o que nos permite afirmar que elas são a opção religiosa preferencial dos descendentes desse povo. Abaixo como figura 3, a imagem do primeiro templo da Comunidade Independente denominada na sua fundação como Quevedos II.

Fig. 3: Igreja Comunidade Quevedos II
Fonte: Erno Krumreich

Conforme podemos verificar, no lado esquerdo as lápides do cemitério, o que é o normal no caso de comunidades luteranas, a sua proximidade com templo. Esta comunidade foi fundada nos anos 1860, e somente mais de cem anos depois mudou sua denominação: Agora é Comunidade São Paulo de Quevedos II, a nova igreja mudou de local e ainda hoje o pastor é leigo, Ildomiro Geri, contando em torno de cem sócios, como eles denominam os membros da comunidade. Figura 4, nova igreja da Comunidade São Paulo, Quevedos II, às margens da RS 265, e ao lado uma outra característica, o salão que serve para comemorações e também para cerimônias fúnebres.

Mas nosso leitor deve estar se perguntando, quais são as diferenças entre uma comunidade independente e comunidades pertencentes especialmente à IECLB? Ou a IELB? Com o objetivo de informar, fizemos um contato com um pastor responsável por algumas comunidades independentes localizadas no interior de São Lourenço do Sul e de Turuçu, município limítrofe. Trata-se do pastor Kevin Peter Teixeira que atua nas seguintes comunidades: Martin Lutero de Santana, São João de Fortaleza, São Pedro de Santa Isabel, e São Paulo da Colônia Azevedo em Turuçu.
O pastor Kevin tem formação de Bacharel em Teologia e pós-graduação em nível de especialização focada no exercício do Ministério Pastoral, na Escola Superior de Teologia em São Leopoldo. E iniciou seus trabalhos auxiliando o pastor das mencionadas comunidades, Breno Dietrich. Quando esse se aposentou, sugeriu Kevin para seu substituto, o que foi aceito pelas comunidades. Abaixo, imagem 5, certidão de confirmação, assinada pelo pastor Herbert Schulz. Herbert Otto Schulz, nascido em Berlim, chegando ao Brasil a bordo do navio Rio de Janeiro em 1929 (HAMMES, 2014), também atuou primeiro como professor e posteriormente como pastor de comunidades livres de 1936 até 1983.
Talvez o leitor, depois de analisar o trabalho esteja se perguntando: ainda existem pastores leigos atuando nas comunidades luteranas em São Lourenço do Sul? Existe alguma diferença entre comunidades independentes e a IECLB com relação a conceitos, liturgia e hinos? E se não existem tais diferenças, porque especialmente os pomeranos ainda seguem com tal escolha depois de um século e meio?

Fig. 4: Comunidade São Paulo
Fonte: Erno Krumreich

Com relação à primeira questão a resposta é sim. Ainda existem pastores leigos à frente de comunidades independentes. Já a questão de similaridades ou diferenças, o pastor Kevin entende que especialmente IECLB e comunidades independentes fazem parte do mesmo processo histórico ligado à imigração dos povos do norte da Europa a partir de 1824. Também lembra que a as próprias comunidades que fazem parte da IECLB viveram um período de ausência de estrutura eclesiástica bem como de apoio da Igreja Evangélica da Alemanha. Grande maioria dos pastores oriundos da Alemanha que por aqui trabalharam foi mais por iniciativa própria do que de ação da igreja alemã. Portanto, e aí usando um termo meu, seria vertentes da mesma origem, herdeiras do movimento da Reforma promovida por Martinho Lutero a partir de 1517. Quando a igreja alemã começou a enviar pastores para o Brasil em apoio à Igreja Luterana, comunidades estruturadas resolveram seguir sem pastores enviados. E assim manter a sua autonomia. Fato ainda hoje constatado.

Conforme o pastor Kevin, as comunidades independentes adotam o sistema eclesiástico congressional, onde a estrutura supracomunitária não existe, e todas as questões são decididas em somente um nível: a comunidade. E aí lembrando mais uma vez Martin N. Dreher (2003) que, ao se referir às comunidades independentes afirma que a Igreja terminava nas fronteiras da própria comunidade. Com relação à liturgia, o pastor Kevin lembra que maioria dos pastores livres optou por utilizar hinários, livros de liturgia e ofícios originários da IECLB. Portanto, liturgicamente as diferenças seriam poucas.

Fig. 5: Certidão de confirmação
Fonte: Acervo próprio

Para encerrar perguntamos ao pastor Kevin sobre a relação dos pomeranos e as comunidades independentes e sua visão sobre os pastores leigos. Kevin lembra que os pomeranos são muito apegados às tradições e costumes, e resistentes a mudanças. E que foram muito importantes na manutenção das comunidades independentes. Com relação aos pastores leigos, pastor Kevin ressalta a importância desses personagens, especialmente em tempos de muitas dificuldades, responsáveis que foram por suprir as carências espirituais desse povo em um período de dificuldades em se ter um pastor disponível. Assim ressaltando sempre o trabalho desses pioneiros que praticamente tiveram que se inventar, o pastor Kevin lembra que os tempos são outros, e igualmente as necessidades, aí destacando a formação teológica dos pastores.

Referências bibliográficas
DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
FACHEL, José P. G. As violências contra os alemães e seus descendentes, durante a Segunda Guerra Mundial em Pelotas e São Lourenço do Sul. Pelotas: Ed. UFPEL, 2002.
HAMMES, Edilberto L. A imigração alemã para São Lourenço do Sul – Da formação de sua Colônia aos primeiros anos após seu Sesquicentenário. São Leopoldo: Studio Zeus, 2014.
OSWALD, Tamara. Comunidades Luteranas livres em São Lourenço do Sul (1886 – 1945). Dissertação (Mestrado) UFPEL, Pelotas, 2014.]

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