Vida de artista

Publicado em 20/06/2017 às 13:56

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Eu sempre ouvi a expressão “fulano quer ter vida de artista” como sinônimo de “vida boa” ou “bon vivant”. Aquela pessoa que não quer fazer nada, viver no “bem-bom”, querendo o melhor sem trabalhar. Em outras palavras, ter “vida de artista” é ser “vagabundo”, de preferência sustentado por alguém, o que mostra o caráter pejorativo, não só da expressão, mas de como as pessoas, em geral, veem a classe.

Viver de arte, historicamente, nunca foi tarefa fácil. O artista, para começar, é um ser que parece ter nascido com uma programação diferenciada dos demais. Ele enxerga o mundo de outras maneiras. Ele costuma ser mais sensível e não se adaptar à realidade pré-constituída. E, por isso, o preço é caro. Sair fora da caixinha sempre custou o desprezo, quando não, a vida. Artistas houve que beiraram a mendicância, quando não estiveram nela. Eram considerados saltimbancos, prostitutas e toda pecha que se podia lhes dar. E, certamente, até hoje, perdura essa visão do fazer e do ser artista.

Interessante que eu conheço muitos artistas que não têm “vida de artista”. A maioria, aliás. Gente que se dedica muito pelo que faz, acordando seis, cinco da manhã e, na maioria das vezes, trabalhando nos fins de semana e nos feriados. Assim é a “indústria do entretenimento”: invisível aos olhos daqueles que levam uma “vida normal”. Eu digo indústria, mesmo, porque ela move um tipo diferente de mercado, o da “economia criativa”, que gera emprego e renda, dá dignidade, mas, muitas vezes, parece invisível aos olhos de uma sociedade que enxerga o lúdico como simples brincadeira.

Paradoxalmente, conheço também muita gente querendo ter “vida de artista”. Aquela que ensinam para a gente, nas revistas e sites de fofoca. Vivemos em um mundo em que a imagem triunfou sobre o escrito e, portanto, queremos ser como aqueles que “conseguiram”, sem saber que por trás de um sucesso houve toda uma vida de dedicação e coragem contra os preconceitos e vicissitudes. Rodando um filme no Espírito Santo, o ator Jackson Antunes disse que, quando “estourou” em uma novela da Rede Globo, ouviu gente lhe dizer que “agora ele era ator”, sendo que ele tinha vinte anos de palco, até então. O “glamour” esconde a “ralação”. E reforça os estereótipos.

Eu não levo “vida de artista”, apesar de, desde criança, ter tido pendor pelas artes. Quando pequeno, desenhava. Já grandinho, arriscava uns versos e umas histórias. Adolescente, busquei o palco. O “ser artista” nasce com a gente. Optei, no entanto, por ter um “emprego”, uma “carreira”. Não tive pressão familiar, ao revés. Sou filho de ex-músico profissional. Mas, infelizmente, percebi desde cedo que viver de arte, no Brasil, era um tiro no pé. De fato, poucos “chegam lá”. Eu, pelo menos, ainda consigo pagar as contas. Admiro meus colegas que vivem da arte. Isso, sim, é ser “artista”. Talvez, eu tenha ficado no meio do caminho. Sobrou o preconceito, no entanto. Realmente, é difícil pensar fora da caixinha.

Se ser artista no Brasil é difícil, sê-lo no Espírito Santo é mais ainda. Enquanto escritor, na maioria das vezes, precisei recorrer a editais, provocando a ira de quem acha que todo artista se encosta no Estado. Mal sabem essas pessoas o quanto já tirei dinheiro do bolso, no entanto. E o quanto já trabalhei de graça, enquanto ator. Inclusive, depois do registro. Como forma de tentar mudar esse estado de coisas, um ator e diretor amigo meu, Edson Ferreira, começou nas redes sociais uma campanha, #artistascapixabasunidos. Uma forma de conseguir não apenas visibilidade, mas, também, dignidade para a classe. Aderi sem pensar duas vezes. Bom seria se, como os atores, os escritores e outras classes se unissem, da mesma forma. Melhor se a sociedade, os Poderes Públicos, mas, sobretudo, a iniciativa privada pudessem se sensibilizar. Não queremos nada demais. Queremos apenas a possibilidade de viver, de fato, a nossa “vida de artista”.

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