Arte, Crônicas e Poesia
Queda do ninho
Publicado em 26/09/2025 às 16:21

Difícil descrever e escrever quando o chão sob os pés está desaparecendo. Nem sei porque continuar escrevendo, nada mais faz sentido, tudo que me apegava esfacelou-se. Nem mesmo a vodka é suficiente para parar esses pensamentos, queria não pensar em nada, ter apenas silêncio e paz.
A vida não tem roteiro, não tem repetição, um instante, novo instante, início e fim sempre constante. A dor sempre é ensinamento, a vida é a mamãe passarinho que o expulsa do ninho, somos todos passarinhos em queda, com medo, aterrorizados com a visão do abismo, impotentes diante do desconhecido. Outrora, o passarinho estava protegido, confortável, os dias eram previsíveis, a rotina alentadora.
No abismo os gritos são em vão, as lágrimas irrelevantes, o abandono, o vazio impera. O pobre passarinho na queda iminente desconhece o que fazer, o contato com a dor é inesquecível, aturdido grita por respostas, perguntas e porquês em vão. A maioria das coisas da vida é justamente assim, sem qualquer explicação tangente. Diante da certeza cruel do abismo, o que fazer?
A mamãe passarinho alimentou e cuidou, julgou que o seu filhotinho está pronto, o amor justamente é dar liberdade e crer na volta do ser amado. Todavia, abrir mão do que se ama é uma dor infindável, mesmo que almeja algo maior no fim. Recordo, ao trabalhar com população em situação de rua, tive grandes oportunidades, grandes professores de vida, um deles, leitor ávido de Tolstoi, largou mulher e filhos por causa do vício nas drogas, me confidenciou que o afastamento deles era por causa de preservar o patrimônio que tinha. O confortava saber que o vício não destruiria os bens da família e que eles poderiam ter uma vida mais estável financeiramente. E isso era a prova do amor por todos.
A recordação é vívida na minha memória, ver um homem com seus cinquenta anos, barbas e cabelos brancos, ao contar sua história não conteve as lágrimas, não com um choro estridente, de modo silencioso e de profundo pesar. O coração até poderia estar batendo, mas a sua alma estava morta.
Não é difícil notar quantos corações errantes vagam por aí, apenas desejosos do fim, números estratosféricos de drogas são consumidos diariamente, além da distração constante. A letargia criou um exército de almas adormecidas.
Oh passarinho, quem é por vós? A culpa, medo, nada impede o fim…a dor irá perdurar até que abra as asas e enfrente o abismo, descobrirá que além do cinza, existe um lindo céu azul para admirar e conhecer, rompa as amarras e olhe avante e lá estará o propósito da sua vida.
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