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CAMINHOS

Publicado em 28/07/2025 às 11:25

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Quando criança, em uma missa na matriz de Poá, o Padre falou sobre dois homens no caminho de Emaús! Me perguntei? Onde é este caminho e quem sãos estes dois homens?
Nas ruas empoeiradas e esburacadas do Jardim Emília, por onde passaram dois homens! Sim dois amigos de Jesus.
Um se chamava Gabriel dos Santos (Bié) o outro, seu irmão biológico, Osvaldo dos Santos (Fifi). Entendi o que o Padre falou! Os dois homens e o caminho de Emaús, era no Jardim Emília!
Bié: um caboclo, estatura mediana, cabelos negros e encaracolados e olhar brilhante e cintilante como os sinos que soavam nas matrizes das igrejas. Sempre trajado de social. No paletó, o bolso cheio de balas. Era final da década de setenta, ainda vejo e sinto o perfume e o amor, aquele amor que o Padre falava nos seus discursos na igreja, que exalava da pele de “BIÉ”, não tem como explicar com palavras.
Andava pelas ruas do Emília com sorriso envolvente, rodeado por crianças “eu que vos falo era uma delas”, atraídas não só pelas balas que sabíamos que tinha no bolso de seu paletó, mas pelo seu abraço, sorriso e carinho que tocavam nossas almas, dracmas (acho que era sobre dinheiro que o padre falava), pois nós não tínhamos, éramos pobres, mas nós tínhamos o Bié, umas das maiores riquezas que andou pelas ruas do Emília.
Bié era dado à pinga, pobre de marré-marré (cantiga de roda), mas o que ele exalava era o amor que seu ser irradiava
Sua casa era um barraco, onde morava ele, sua mãe ( Dona Antônia) e Fifi. O Padre, uma vez, falou de uma mulher na Bíblia, que era pobre e deu tudo que ela tinha; e Jesus aprovou o gesto. Eu acho que era a Dona Antônia, esta mulher me deu o melhor presente ( livro Memorial do Alto Tietê, de Antônio Neto, página 12). São vagas minhas lembranças, mas Dona Antônia era um vaso de honra, uma jóia ou anjo, não sei? Mas o Padre fala que Jesus falava assim de pessoas iguais a ela. A casa onde Jesus partiu o pão com os dois homens, acho que foi lá, pode ser que este dia não tinha pão, mas tinha Jesus que é o Pão da Vida.

Foto: Freepik

O outro homem do caminho era o Osvaldo dos Santos (Fifi), mais novo que Bié, muito parecido fisicamente com seu irmão. Também dado ao álcool, mas nem toda pinga do mundo poderia esconder tanta beleza interior. Era o nosso guardião do bairro. Nas primeiras horas da manhã, já estava nos caminhos das rua empoeiradas. Assim como Bié, também trajava paletó, que era coisa de rico, mas as riquezas deles só se podiam ser vistas com os olhos da alma e o Padre falou que as crianças eram inocentes e Jesus se agradava das crianças, que não viam o mundo como os adultos.
Nas missas que eu frequentava na Matriz de Poá, ouvia o Padre falar de anjos, uns traziam notícias, outros eram guardiões, como o anjo Gabriel, que era mensageiro. Nós aqui no Emília também tínhamos nosso anjo Gabriel (Bié), trazia no olhar e atitudes a notícia de amar o próximo como a si mesmo, sem reclamar das adversidades enfrentadas.
Não sei por quanto tempo Bié andou pelos caminhos do Emília, mas sei que foi por pouco tempo, talvez uns trinta anos, mas anjos têm que voltar para sua casa. O Gabriel da Bíblia trazia a mensagem e voltava, Gabriel(Bié) voltou precocemente, sem motivo aparente.
Osvaldo dos Santos(Fifi) ficou por mais tempo no caminho. Era o anjo Guardião, nele podia confiar, estava sempre alerta aos perigos dos caminhos do Jardim Emília, vigiando, protegendo as crianças, as casas e a vizinhança.
Sempre de social. O paletó era sua farda. Em vez de asas, tinha o paletó. Às vezes, urinava na calça e falava sozinho pelas ruas, devido ao uso do álcool.
Minha visão de criança, quando ele subia a rua, o via coberto de roupa de saco e cinzas. O Padre falava de homens assim também, mas eu não entendia.
Fifi! Andava pelas ruas falando sozinho, muitos riam; mas eu e meus amiguinhos de infância víamos ele conversando com pássaros e o Padre falou que a pomba é de Deus e os pássaros louvam a Deus.
As décadas se passaram, as ruas foram asfaltadas. Chegou o século XXI. Os caminhos do Emília já não são os mesmos, a chuva que caía pelos caminhos e o perfume do pó da terra onde pisaram Bié e Fifi já não exalam o mesmo perfume. No ano dois mil, tornei a receber o melhor presente, de inexplicável valor que dinheiro nenhum compra. Fifi já não fazia uso de bebidas alcoólicas, agora estava sempre limpo e com o paletó impecável. Tive a honra de receber o anjo Guardião em minha casa, nos sentamos à mesa, conversamos. Fifi se sentia honrado, sua visita durou umas três horas, uma lágrima escorreu dos meus olhos… À época, eu era um homem de mais de 30 anos e Fifi na casa dos 70 anos. Saboreamos um café e comemos um bolo.
Veio em minha memória que Jesus esteve na casa dos dois homens a caminho de Emaús e ceou com eles. Voltei a ser criança! Naquele momento, Jesus também estava em minha casa. A personificação do amor, a simplicidade de ter nascido numa manjedoura, ser perseguido pela sociedade e lembrei que o Padre falou que Jesus está nas pessoas e Fifi era uma delas!
Ah, Fifi – pude lhe falar na mesa que a honra maior era a minha de tê-lo recebido em meu lar, à minha mesa. O anjo Guardião que andou pelas ruas empoeiradas do Emília poucos dias depois de recebê-lo, dormiu e não mais acordou entre nós. Foi nossa última ceia…
Bié nunca morreu. Sempre esteve em meu coração e memória. Quando conheci Bié, tinha entre 4 e 5 anos de idade, não tinha palavras para expressar a honra que foi ter andado pelos caminhos empoeirados do Emília ao seu lado, mas meu olhar e abraço de criança era visível para ele.
Bié e Fifi: eu sei que caminham pelos caminhos da eternidade com Jesus. O caminho de Emaús é semelhante ao Reino de Deus, está dentro de nós.
Nas Crônicas de minha vida, caminhei com anjos, conheci mulheres que deram tudo que tinham, como Dona Antônia. Vi o amor de pessoas transfigurar a face de Jesus.
Um sentimento de gratidão me toma, as lágrimas são inevitáveis; e os caminhos são eternos.
Obrigado. Deus por me permitir andar, conhecer, abraçar pessoas que andaram pela terra como anjos.
Dona Antônia, Bié e Fifi. Assim como os homens e as mulheres do passado, estão eternizados nos corações daqueles que caminharam ao seu lado!

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