Vegetação sobre rochas guarda espécies exclusivas e captura carbono da atmosfera

Publicado em 13/05/2025 às 08:53

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Flor de Wunderlichia azulensis, árvore rupícola ameaçada e endêmica dos inselbergues da Mata Atlântica./ Foto: Dayvid R. Couto

Pesquisadores brasileiros percorreram quatro inselbergues localizados no sul do Espírito Santo (municípios de Alegre, Cachoeiro de Itapemirim, Mimoso do Sul e Muqui), onde identificaram, mediram e analisaram mais de 300 plantas lenhosas, entre árvores, arbustos e palmeiras, pertencentes a 26 espécies diferentes. Encontraram espécies endêmicas e ameaçadas de extinção e analisaram a capacidade de sequestro de carbono da vegetação, que tem tamanho surpreendente para esse ecossistema. Os pesquisadores apontaram espécies lenhosas nativas e adaptadas às condições extremas dos inselbergues que podem tornar os projetos de restauração mais eficientes, especialmente para as áreas afetadas pelas atividades de mineração de rochas ornamentais, comum no Espírito Santo.

O resultado desse trabalho, que envolveu pesquisadores do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), University of Québec at Chicoutimi (UQAC, Canadá) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), na revista internacional Journal of Mountain Science, dedicada aos ecossistemas de montanha, edição publicada em 30 de abril.

Os inselbergues, ou afloramentos rochosos, são aquelas montanhas rochosas solitárias, como o “Pão de Açúcar”, cartão postal do Rio de Janeiro/RJ, e “o Frade e a Freira” e “Pedra Azul”, famosos no Espírito Santo. Essas “ilhas” escondem um tipo de vegetação semelhante à floresta, que cresce diretamente sobre a rocha, dominada por pequenas árvores, arbustos e palmeiras. “Nessas condições ambientais extremas, em que a água é escassa e o calor é intenso, apenas algumas espécies desse grupo específico de plantas conseguem prosperar. São verdadeiras ‘guerreiras das rochas’, exercendo funções ecológicas importantes, como a manutenção da biodiversidade e o sequestro de carbono. Muitas dessas plantas são exclusivas desses ambientes, e algumas já estão ameaçadas de extinção, principalmente devido à expansão da mineração de rochas ornamentais”, explica Dayvid Couto, pesquisador do INMA e líder do estudo. “Essa é a primeira caracterização detalhada desse tipo de vegetação na Mata Atlântica”, completa a pesquisadora Luiza F.A. de Paula, da UFMG.

Vegetação lenhosa em encosta rochosa de um inselbergue no Espírito Santo./ Foto: Dayvid R. Couto

Apesar do solo raso ou praticamente inexistente, os pesquisadores encontraram árvores surpreendentemente robustas: algumas alcançando até 116 centímetros de diâmetro e 16 metros de altura. Essas comunidades vegetais são capazes de armazenar até 48 toneladas de carbono por hectare na biomassa acima do solo, similar às florestas estacionais menos produtivas que crescem em locais secos. “Isso reforça o papel que essas formações rochosas e sua vegetação desempenham na absorção de gás carbônico da atmosfera”, aponta o pesquisador Ranieri R. Paula, que já atuou no INMA e está na UQAC, no Canadá.

O estudo registrou espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção, como a Pseudobombax petropolitanum — popularmente conhecida como paineira-das-pedras — e a Wunderlichia azulensis, uma árvore da família das margaridas que cresce exclusivamente sobre rochas.

Vegetação lenhosa de um inselbergue no Espírito Santo./ Foto: Talitha M. Francisco

O trabalho também revelou um importante grau de novidade botânica. “Por se tratar de uma vegetação ainda negligenciada pela ciência, muitas espécies de árvores, que já eram conhecidas em outros ambientes, foram registradas pela primeira vez nesses inselbergues da Mata Atlântica”, explica o professor Marcelo T. Nascimento, da UENF. Das 26 espécies lenhosas identificadas, apenas nove – um terço delas – constavam de um inventário recente de plantas em inselbergues do Sudeste do Brasil, o que destaca o quanto ainda há a ser descoberto nesses verdadeiros refúgios naturais.

A mineração de rochas ornamentais, uma das principais atividades econômicas do Espírito Santo, representa hoje a maior ameaça à biodiversidade dos inselbergues, como destaca a pesquisadora Talitha M. Francisco, do INMA. Apesar da gravidade do problema, ainda são escassas as estratégias de restauração voltadas especificamente para esses ambientes após atividades minerárias. “Muitas iniciativas aplicam técnicas desenvolvidas para restaurar florestas tropicais, sem levar em conta as particularidades da vegetação rupestre”, explica a pesquisadora. “Indicamos várias espécies promissoras para uso na recuperação de áreas degradadas pela mineração, entre elas Aspidosperma gomezianum, Tabebuia reticulata, Kielmeyera membranacea, Wunderlichia azulensis, e a própria paineira-das-pedras (Pseudobombax petropolitanum)”, ressalta Dayvid.

Espécies que ocorrem naturalmente nas florestas vizinhas aos inselbergues, como Eugenia punicifolia (uma planta da família da Jabuticaba) e Spondias venulosa (uma espécie de cajá), também se mostraram tolerantes às condições dos inselbergues. “Essas espécies podem ajudar a aumentar a diversidade pois produzem frutos carnosos muito apreciados pela fauna que frequenta os inselbergues à procura de refúgio e alimento”, destaca Talitha.

Flor de Pseudobombax petropolitanum, árvore rupícola ameaçada e endêmica dos inselbergues da Mata Atlântica./ Foto: Dayvid R. Couto

A pesquisa ainda destaca o papel ecológico da paineira-das-pedras como espécie-chave nesses ecossistemas. Suas raízes ajudam a reter solo e outros sedimentos sobre as rochas, criando microambientes mais favoráveis ao estabelecimento de diversas espécies vegetais nos inselbergues. Esses conhecimentos reforçam a importância de considerar o ecossistema de referência no planejamento da restauração. “Ao compreender melhor as comunidades vegetais que prosperam sobre as rochas, podemos promover soluções mais eficazes para recuperar áreas impactadas pela mineração, e, ao mesmo tempo, valorizar um dos ecossistemas mais singulares e ameaçados da Mata Atlântica”, aponta Dayvid.

Fonte: INMA

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