Obra de magistrado capixaba instiga o debate sobre os crimes de facções criminosas
Publicado em 17/10/2025 às 08:20
Texto: Bruno Caetano /Fotos: Caio Lemos e Divulgação FDV
Com o lançamento do livro “Terrorismo à brasileira: A guerra é real. A cegueira é legal”, de autoria do magistrado e professor capixaba, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, reacendeu-se o debate sobre o combate às facções criminosas no Brasil.

Isto ocorre porque o país convive há anos com episódios que lembram cenas de guerra, mas que, juridicamente, seguem tratados apenas como “criminalidade comum”. De acordo com o autor, ônibus incendiados em plena luz do dia, toques de recolher impostos a comunidades inteiras, execuções de agentes públicos e bairros dominados por grupos armados, ações que acontecem com frequência no Brasil, em outros países seriam tratadas como terrorismo.
No Brasil, atualmente, isso não acontece, devido à atual legislação. A Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016), aprovada às vésperas das Olimpíadas do Rio de Janeiro, teve o texto redigido sob pressão internacional, mas com fortes restrições internas: só considera terrorismo atos motivados por xenofobia, discriminação ou ideologia política e religiosa. Na prática, deixa de fora a violência praticada por facções armadas contra a população.
Especialistas em segurança pública apontam que facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho já atuam com características de grupos terroristas: possuem comando estruturado, arrecadação própria, domínio territorial e capacidade de enfrentar o Estado com poder bélico. Apesar disso, a legislação brasileira continua a enquadrá-los como organizações criminosas.
No Brasil, a opção por uma definição estreita é defendida por juristas e organizações da sociedade civil que temem o uso político da lei. Para esses grupos, um conceito amplo poderia abrir margem para criminalizar movimentos sociais, protestos e greves. O receio não é infundado, pois em países vizinhos, legislações antiterrorismo já foram usadas para reprimir manifestações populares.
Por outro lado, magistrados e operadores da segurança pública alertam para o risco da omissão. Sem reconhecer as facções como terroristas, o Estado limita sua própria capacidade de resposta. Investigações ficam restritas, a cooperação internacional é dificultada e os grupos seguem crescendo sob o manto da “criminalidade comum”.
De acordo com o jurista Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, em seu livro lançado no último mês de agosto, “o enquadramento jurídico dos atos realizados pelas facções criminosas como terrorismo não é apenas semântico: ele amplia instrumentos de investigação, endurece punições e facilita a cooperação internacional”.
Segundo ele, a proposta é refletir juridicamente sobre o conceito de terrorismo no Brasil e seus efeitos institucionais, considerando os limites da legislação e a necessidade de segurança jurídica. “Trata-se de um tema sensível, que exige equilíbrio entre a proteção da ordem e o respeito às garantias constitucionais”, afirma o autor.
GUERRA INTERNA – Com sua experiência no Judiciário e na academia, o autor acompanhou de perto o crescimento silencioso — e muitas vezes institucionalmente tolerado — das facções criminosas no país. Neste livro, Carlos Eduardo expõe aquilo que parte do sistema jurídico e político insiste em ignorar: o Brasil enfrenta uma guerra interna, mas continua a se recusar a nomear seus inimigos como tal.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o crime organizado está presente em pelo menos 23 estados e no Distrito Federal. Relatórios da Polícia Federal ainda apontam conexões entre facções e cartéis estrangeiros, indicando que o problema deixou de ser apenas nacional. Essa expansão internacional reforça o debate sobre a necessidade de novas ferramentas legais.
Exemplos recentes ilustram a gravidade da situação. Em 2023, ataques coordenados atribuídos a facções incendiaram ônibus e paralisaram cidades em estados do Nordeste e do Sudeste. Em alguns casos, a violência foi usada como retaliação a operações policiais ou como demonstração de força. Mesmo assim, nenhum desses episódios foi classificado como terrorismo.
Para Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, que é juiz criminal e professor de Direito Penal, essa postura revela uma “cegueira institucional” diante de uma guerra não declarada. Em seu livro, o magistrado argumenta que o país vive um “terrorismo sem nome”, marcado pela omissão legislativa e pela falta de coragem política para enfrentar as facções como elas realmente são.

EXPERIÊNCIA – A obra de Lemos não é a única a levantar esse debate, mas ganha relevância por articular direito comparado e experiência prática. O autor participou de missões federais de combate ao crime organizado e atua em varas criminais há décadas. Para ele, as facções brasileiras já ultrapassaram os limites da delinquência e assumiram traços típicos de organizações terroristas.
Ao mesmo tempo, o tema divide opiniões no meio jurídico. Para alguns estudiosos, o foco deve ser o fortalecimento das instituições de segurança e da política penitenciária, e não a mudança de nomenclatura. Eles defendem que classificar as facções como terroristas pode gerar mais disputa conceitual do que resultados concretos no combate à violência.
Essa tensão revela a dificuldade de equilibrar dois valores fundamentais: a proteção dos direitos civis e a necessidade de enfrentar uma ameaça crescente à ordem pública. Enquanto setores do Estado temem abusos, outros alertam que a omissão já compromete a soberania nacional em áreas dominadas pelo crime.
Independentemente das divergências, um ponto parece reunir consenso: o crime organizado brasileiro deixou de ser apenas uma questão policial e se tornou um desafio político, jurídico e social. A forma como o país decidir enquadrar e enfrentar as facções criminosas nos próximos anos pode definir os rumos da segurança pública e da democracia.
No Congresso Nacional, no último mês de setembro, já se iniciou uma articulação para tentar equiparar os atos cometidos pelas facções criminosas ao terrorismo. A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei (PL 2428/2025) que equipara ao terrorismo os crimes cometidos por facções e milícias voltados à dominação territorial, à intimidação coletiva, ao tráfico de drogas, entre outros. Na lista de atos terroristas foram incluídas ainda algumas práticas típicas de poderes paralelos, como o controle coercitivo do comércio e a cobrança de “taxas de proteção”.
Neste sentido, o livro “Terrorismo à Brasileira: A guerra é real. A cegueira é legal”, do magistrado capixaba, tem sido bem visto por especialistas da área, não somente para suscitar um debate muito mais amplo sobre os atos criminosos de facções organizadas, mas também para propor as devidas alterações na lei antiterrorismo atualmente vigente no Brasil.
Trechos do Livro
“O Brasil vive um terrorismo sem nome, um Estado sitiado por omissão legislativa e covardia política”.
“Eles queimam ônibus, executam juízes, controlam comunidades, impõem toques de recolher — mas não são terroristas? Então o que mais precisa acontecer?”.
“A facção não precisa declarar guerra ao Estado. Ela já venceu batalhas importantes enquanto os juristas debatem sem coragem”.
“Nossa Lei Antiterrorismo foi moldada para proteger a política, não a sociedade. É uma blindagem disfarçada de civilidade”.
“Se um grupo armado, com estrutura de comando, financiamento próprio e domínio territorial, não é uma organização terrorista, então o conceito morreu de inanição jurídica”.