Câncer de mama desafia diagnóstico precoce no interior capixaba
Publicado em 31/10/2025 às 11:28
Texto: Bruno Caetano / Fotos: Arquivo pessoal e Freepik
O diagnóstico precoce do câncer de mama continua sendo um desafio nas cidades do interior do Espírito Santo. A distância dos grandes centros, a falta de equipamento e o desconhecimento sobre o diagnóstico ainda impedem que muitas mulheres iniciem o tratamento a tempo.
Nos municípios das montanhas capixabas, como Domingos Martins e Marechal Floriano, o percurso entre a suspeita e a confirmação da doença se arrasta por meses. A falta de mamógrafos e a oferta limitada de exames dificultam a detecção precoce e comprometem o cuidado contínuo.
A enfermeira Ellen Favero, coordenadora da Estratégia de Saúde da Família de Marechal Floriano, destaca que o município tem trabalhado para ampliar o acesso das mulheres aos serviços de prevenção e diagnóstico do câncer de mama, mesmo diante de desafios estruturais. “Sabemos que o caminho até o diagnóstico ainda pode ser difícil, especialmente para quem vive em áreas mais afastadas, mas temos buscado alternativas para garantir que nenhuma mulher fique sem atendimento“, afirma.

Segundo Ellen, as campanhas de mobilização, como o Outubro Rosa, têm um papel fundamental para incentivar o autocuidado e aumentar o número de exames realizados. “Durante esse período, intensificamos a oferta de mamografias e as ações educativas. Nosso objetivo é que esse movimento se estenda ao longo de todo o ano, com campanhas permanentes e busca ativa das mulheres que ainda não realizaram o exame”, destaca.
A coordenadora também chama atenção para a importância de trabalhar as barreiras culturais que ainda cercam o tema. “A informação é nossa maior aliada. Quando as mulheres entendem que o diagnóstico precoce salva vidas, o medo e a vergonha dão lugar à coragem e à prevenção”, ressalta.
Ellen reforça que as mulheres do campo merecem atenção especial nas políticas públicas de saúde. “Muitas vivem longe dos serviços especializados, por isso o trabalho das equipes de saúde da família é essencial para aproximar o cuidado dessas comunidades”, observa.
Outro fator que preocupa os especialistas é a vulnerabilidade das mulheres do campo. De acordo com uma pesquisa em andamento da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em parceria com a Universidade de Harvard, mulheres agricultoras têm 52% mais risco de desenvolver câncer de mama e 200% mais chance de apresentar metástases do que aquelas que vivem em áreas urbanas.
“Essas mulheres chegam com diagnósticos mais avançados e se tornam quimiorresistentes, ou seja, não respondem à quimioterapia, ao tratamento convencional”, explica a pesquisadora Carolina Panis, que acompanha há mais de dez anos mulheres com câncer de mama no interior dos estados.
Essa realidade reforça a importância de políticas públicas voltadas às mulheres que vivem em áreas rurais, muitas delas agricultoras, que enfrentam ainda mais barreiras para acessar exames e tratamento.
A consequência aparece nos números. Em Domingos Martins, o número de novos casos de câncer de mama subiu de 10, em 2020, para 26 em 2024. Em Marechal Floriano, passou de 4 para 21 no mesmo período. Os dados da secretaria municipal mostram que, em 2025, Domingos Martins registrou 611 mamografias e Marechal Floriano, 235, número considerado baixo diante da população feminina da região.
Ellen explica que mesmo sem mamógrafo próprio, o município tem buscado parcerias e contratação de serviços especializados para atender a demanda. “Nosso foco é agilizar o acesso aos exames e garantir o encaminhamento rápido para o tratamento, reduzindo o tempo de espera e oferecendo um acompanhamento humanizado em todas as etapas”.
O diagnóstico se atrasa quando o exame falta
Quando o diagnóstico é confirmado, as pacientes são inseridas no sistema estadual de regulação. “A regulação tem até sete dias para marcar o atendimento, mas a distância até os centros de referência, geralmente em Vitória, dificulta o início rápido do tratamento”, acrescenta a enfermeira.
A dificuldade de deslocamento também pesa no bolso. Muitas mulheres dependem dos veículos da prefeitura ou do apoio de familiares para chegar aos hospitais. “Perder o dia de trabalho e pagar por alimentação e combustível faz parte da rotina de quem enfrenta a doença fora da capital”, relata Ellen.
O custo do deslocamento e o peso na vida das pacientes

A escritora Sandra Bertollo, moradora de Marechal Floriano, conhece bem essa realidade. Em 2024 ela descobriu um nódulo na mama e iniciou a batalha contra o câncer. “Eu sempre fiz meus exames, mas um dia percebi uma alteração ao me tocar. Fiz a mamografia e recebi o resultado com suspeita alta de malignidade. O mundo desabou sobre mim”, lembra.
Sandra realizou a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em dezembro do mesmo ano, no Hospital Santa Rita, em Vitória. “Recebi um atendimento humanizado e muito eficiente. Já tive planos de saúde, mas posso dizer que o SUS foi exemplar em todas as etapas”, afirma.
Apesar do bom atendimento, o deslocamento foi uma das partes mais difíceis. “As consultas eram marcadas muito cedo e, por morarmos a cerca de 60 quilômetros da Grande Vitória, eu precisava sair de madrugada. Muitas vezes passava o dia inteiro no hospital, gastando com alimentação e transporte”, relata.
Ela lembra que o Hospital Santa Rita se tornou quase uma segunda casa. “Foram dezenas de viagens até a cirurgia. Mas, em cada visita, encontrei profissionais acolhedores e comprometidos”, afirma. A fé e o apoio da família foram fundamentais. “Minha família e minhas amigas de trabalho me sustentaram. Minha fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida me deu forças para continuar”, diz emocionada.
Hoje, recuperada, Sandra transforma a experiência em um alerta para outras mulheres. “Cuidar da saúde é um ato de amor. Quando o câncer é descoberto cedo, há grandes chances de cura. E esse cuidado começa com o simples gesto de se tocar e não adiar a consulta médica”, aconselha.
Ela reforça que o autoexame é um ato de autoconhecimento. “Nosso corpo fala. Precisamos aprender a ouvi-lo e não pensar que ‘comigo não vai acontecer’. A prevenção é o nosso escudo mais forte”, afirma.
Os dados mostram que, apesar dos avanços, o desafio permanece. Domingos Martins registrou quatro mortes por câncer de mama em 2024, enquanto Marechal Floriano teve dois óbitos no mesmo período, os primeiros após três anos sem registros. A mortalidade ainda é maior onde o acesso à mamografia é menor.
Mesmo em cidades com maior volume de mamografias, ainda assim, o desafio é transformar essas imagens em acesso imediato ao tratamento, evitando perda de seguimento e longos tempos até cirurgia e quimioterapia.
SOLUÇÃO – Ellen Favero defende que a solução passa pelo fortalecimento da atenção básica. “As equipes de saúde precisam fazer busca ativa, identificar mulheres com exames atrasados e acompanhar cada caso de perto. O agente comunitário de saúde é peça-chave nesse trabalho”, ressalta.
Ela também cobra a implantação de uma linha de cuidado oncológico estruturada, garantindo o início do tratamento em até 60 dias após o diagnóstico. “Essa organização salva vidas. Quando o tratamento começa rapidamente, as chances de cura aumentam e o impacto emocional é menor”, explica.
O transporte sanitário é outro ponto fundamental. “Garantir meios regulares para que as pacientes cheguem aos exames e consultas é um passo importante para fortalecer o cuidado e ampliar o acesso à saúde, destaca.
Para Ellen, o desafio do interior é tornar o cuidado contínuo. “Não basta fazer mutirões uma vez por ano. Precisamos de ações constantes, educação em saúde e acompanhamento próximo”, afirma.
Ela lembra que o medo e o estigma só diminuem quando a informação circula. “Quando a mulher entende que o câncer de mama tem cura e que o tratamento é eficaz, ela procura ajuda mais cedo. A informação salva vidas”, conclui.
EXAMES – Enquanto o poder público busca soluções, a força de mulheres como Sandra inspira outras a se cuidarem. Para fazer a mamografia pelo SUS, a mulher deve procurar a unidade básica de saúde (UBS) mais próxima de casa. Lá, é possível agendar uma consulta com o médico ou enfermeiro da Estratégia de Saúde da Família, que fará a solicitação do exame.
Em muitos municípios, o próprio posto faz o encaminhamento direto para o serviço de referência onde a mamografia será realizada. O exame é gratuito e recomendado a cada dois anos para mulheres de 40 a 69 anos, segundo o Ministério da Saúde.
Além da mamografia, é importante manter hábitos saudáveis para reduzir o risco de câncer de mama: praticar atividades físicas regularmente, manter o peso corporal adequado, evitar o consumo excessivo de álcool, não fumar e fazer o autoexame das mamas com frequência, observando qualquer alteração. O diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as chances.