Arte, Crônicas e Poesia
A verdade nua e crua
Publicado em 15/12/2025 às 09:54

Acordei com a voz no rádio de que turbulência não derruba avião, uma mensagem otimista para quem tem que acordar às cinco e trinta da manhã. De fato, todos nós precisamos de um barco para navegar na vida. Já certos do destino, temos apenas o instante. Por mais que a vida inteira, os ensinamentos partem da ilusão de controle e certeza do devir.
Desde a educação primária tive a intuição de que algo estava faltando nesse quadro que chamamos futuro. Era corriqueiro a frase “vocês são o futuro do país”, o que me gerava uma estranheza profunda; o que significava isso? Em uma aula de história, fiz a pergunta ao professor, pelo seu rosto achou estranho o questionamento e depois de alguns instantes utilizou da retórica de muitos professores de contar qualquer anedota e tergiversar a resposta.
Passados muitos anos, acredito que ele sabia que naquele instante as ilusões não deveriam ser extintas, que o otimismo e a sensação de protagonismo fazem bem para as crianças. A realidade e a história dizem justamente que a maioria das crianças estão fadadas a uma vida medíocre e infeliz, com leves gotejamentos de prazer. De fato, ao rememorar o destino dos meus pares, muitos deles encontram-se atualmente mortos e presos por envolvimento com tráfico de drogas.
A maioria das escolas não ensinam nada sobre a vida, parecem deslocadas da realidade, o ensinamento preponderante é ganhar dinheiro, nada além disso parece importar, até mesmo a finalidade do dinheiro, que quanto maior a cifra, melhor. Pregam a filosofia que você é o que você tem, seja mais, tenha mais. Realmente não é uma observação mentirosa, a virtude e inteligência são características de menor importância, não é incomum o senso comum ter mais empatia para o estúpido rico do que para o pobre inteligente.
No mundo material, o que pode ostentar prevalece na mentalidade das pessoas, isso é a única régua que determina suas ações, por óbvio, que as necessidades existem e não são poucas, a meu ver poucos conseguem pensar além do material, principalmente quando o mínimo é ausente. Vivi a vida inteira presenciando a luta pela sobrevivência, mães e pais acordando na madrugada para irem trabalhar, enfrentando sol desértico e humilhações infindáveis e para terem ao final do mês o insuficiente. A voz do mundo fala mais alto quando a barriga está vazia.
Esses poucos que conseguem ir além desse caos, considero homens livres, um estado antes mental do que físico. Eu conheci apenas um homem assim, ele era uma figura extraordinária, conseguiu diante dos obstáculos da vida não perder o sorriso diário e o bom humor. Ele viveu um grande romance em São Paulo, a mulher o abandonou, perdeu o emprego, foi morar nas ruas até que foi acolhido por um irmão distante. Até hoje não consigo compreender a sua resiliência e bom humor.
Recordo de uma conversa nossa, em que relatava certa aflição, ao passo que retrucou com a frase “Não é que a tristeza passará, nós passaremos”. Demorei anos para ter certa compreensão do que ouvi.
Os problemas e as necessidades físicas são reais, todos nós temos angústias, a grande questão é como isso ecoa no nosso coração. Se conseguimos conviver e seguir ou sofrer e persistir.
Pois o final é esse: “nós passaremos”.