Arte, Crônicas e Poesia
A CIGARRA E O FURACÃO
Publicado em 06/12/2024 às 09:58
A saudade dilacera o coração e a nossa alma. Li isso em um poema na época da escola. Nunca compreendi plenamente, porém as coisas começam a fazer sentido após serem sentidas, onde criam marcas indeléveis na alma. Ao aproximar do fim do ano sinto meu coração mais pesado, lembro de todos que se foram e recordo de tudo que queria ter vivido, como veleiro que busca ir para um canto e vai para outro, distante e estranho de tudo que já viu.
Aturdido, tento entender tudo, mas tudo me escapa. Começo a perceber que talvez não exista um sentido e que o sentido esteja no próprio existir. A prima face é apenas o caos que dita tudo e a todos controla, quem nunca se sentiu um joguete nas mãos do destino? Como em uma tempestade sem guarda-chuva, correndo sem rumo em busca de uma proteção que parece cada vez mais distante a cada passo que der.
A vida passa, refletindo ou não sobre ela. Ouvi isso uma vez e achei de grande idiotice, mas com o decorrer do tempo, começo a perceber que o idiota era eu mesmo. Sempre considerei que cada passo e cada fase deveria ser planejada e preparada. Isso significava sabedoria para mim. Todavia, noto que a sabedoria justamente é saber lidar com o intangível e com a sensação de fracasso de todo um planejamento de vida inexistente.
Os sábios conseguem não ficarem abalados diante de sonhos não realizados, pois o que foi realizado já basta para satisfação, desde que tenham feito tudo que era possível de prever ou fazer. E é muito difícil não querer controlar a vida, quem gosta de surpresas? Ninguém. Apesar de ser racional o argumento, o sentimento é sempre de buscar o caminho conhecido, de querer saber de tudo antes, para em última instância evitar o sofrimento.
A minha ingenuidade sobre isso foi abissal, assim como uma cigarra cantante de forma despretensiosa falava com propriedade inverdades sobre o bem viver, tendo a mim mesmo como régua para julgamento. Exultava por planos e projetos existenciais, ditoso por ter as virtudes necessárias para alcançar tudo que quisesse.
O tempo passa, a verdade vem, não de maneira doce e gentil, mas como um furacão que vem e varre tudo, destrói qualquer certeza ou vaidade de verdade. E deixa apenas quem de fato somos em essência. Foi um encontro inevitável comigo mesmo. Onde está todo conhecimento? Onde está a soberba? Onde está toda previdência/providência infalível?
Deitado olhando para o teto, completamente sem rumo, madrugadas a fio chorando, passado o turbilhão do furacão, vem o silêncio dilacerante, onde escutamos as batidas do próprio coração. Questionamentos são inócuos, inevitavelmente sempre o são. É preciso aprender a viver com dúvidas que jamais terão respostas.
Assim, a cigarra termina o seu canto.