O Espírito Santo descobre seus vinhos: a virada histórica do Projeto Vines

Publicado em 25/12/2025 às 11:52

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Projeto Vines

Texto: Bruno Faustino – Vitória (ES) / Fotos: Sebrae/ES

Há movimentos silenciosos que, quando amadurecem, mudam a rota de um setor inteiro. A cafeicultura viveu isso. O agroturismo também. Agora, um novo protagonista desponta nas montanhas, vales e encostas do Espírito Santo: o vinho fino capixaba.

O responsável por acender essa faísca é o Projeto Vines, idealizado pelo Sebrae-ES em parceria com instituições de pesquisa e produtores pioneiros. A iniciativa nasce com um objetivo ousado: transformar o Estado em referência nacional na produção de uvas de inverno e vinhos de alta qualidade, conectando campo, turismo e identidade cultural.

Para entender como esse futuro está sendo construído – e por que o Espírito Santo reúne condições reais para se tornar um território do vinho – a Revista Negócio Rural conversou com Pedro Rigo, superintendente do Sebrae/ES, que detalha o projeto, a estratégia, os desafios e o sonho que começa a ganhar forma.

Negócio Rural — O que é, afinal, o Projeto Vines?

Pedro Rigo — O Vines é um projeto que nasce com uma intenção clara: colocar o vinho capixaba na mesa do capixaba. Mas não porque ele não exista. Existem produtores que há mais de 30 anos lutam para fazer um bom vinho aqui. O que percebemos é que, da forma como estávamos produzindo, era impossível competir em excelência. O Espírito Santo sempre plantou uva de mesa, e vários produtores tentaram transformá-la em vinho fino – uma batalha dura. Dois produtores até conseguiram algum resultado, mas acabaram desistindo e comprando uvas fora do Estado. Isso era um sinal claro de que precisávamos virar a chave.

O que faltava para o Espírito Santo produzir um vinho fino com identidade própria?

Faltavam as variedades certas e o manejo certo. O que todo mundo faz em outros estados – Minas, São Paulo, Bahia, Brasília (DF) – é trabalhar com uvas próprias para vinho fino, como Chenin, Merlot, Cabernet Franc, variedades já testadas pela Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) com apoio da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Elas funcionam muito bem com o manejo de dupla poda, que desloca a colheita para julho e agosto, no inverno e no seco. Aqui, quem colhe uva em dezembro e janeiro, em plena chuva, não consegue teor de açúcar adequado. Quando entendemos isso, tudo mudou.

E como o Sebrae encontrou os produtores que já estavam trilhando esse caminho?

Descobrimos quatro produtores pioneiros, trabalhando sozinhos na raça e testando essas variedades com dupla poda. Eles estavam produzindo uvas de excelente qualidade, mas enfrentavam um grande desafio: a produtividade. Hoje, essas uvas, aqui no Espírito Santo, produzem 700, 800, no máximo 900 gramas por pé. Para o negócio ser viável, precisamos chegar a dois quilos por pé, algo que a pesquisa do Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural) já está estudando. É uma transição complexa, pois a uva de mesa dá 20 a 30 quilos por pé, mas é totalmente possível.

“Descobrimos quatro produtores pioneiros, trabalhando sozinhos na raça e testando essas variedades com dupla poda”

O Incaper entra como protagonista nessa etapa?

Com certeza. O Incaper assumiu a tarefa de pesquisar e adaptar essas variedades para a realidade capixaba. É um trabalho essencial. Precisamos entregar ao produtor mudas mais produtivas e, ao mesmo tempo, preservar a qualidade necessária para o vinho fino. É ciência aplicada diretamente ao campo.

Mas o Espírito Santo realmente tem condições para produzir bons vinhos?

Tem, e muitas. Nós temos altitude, solo, temperatura e clima. Os estudos do Incaper mostram que regiões como Pedra Azul, Caparaó, Santa Teresa e Viana têm todas as características necessárias. Acima de 550 metros, já é possível produzir uvas com ótimo teor de açúcar. Em 650 metros ou mais, é quase perfeito. O que faltava era a variedade certa e o manejo correto. Agora, falta apenas escala.

Podemos falar em terroir capixaba? Ele existe?

Existe, sim. Assim como o café tem terroir, o vinho também. As mesmas variedades plantadas em Minas Gerais, Bahia ou São Paulo têm características diferentes. E aqui também terão. Nosso terroir já está emergindo em vinhos produzidos no Vale do Tabocas, em Pedra Azul, em Santa Teresa. É um conjunto de altitude, solo, amplitude térmica e até da cultura local. Nosso vinho será único, isso é fato.

O lançamento do projeto chamou atenção no Estado. Como está o clima após esse início?

A repercussão é enorme. O Sebrae agora vai entregar os modelos de negócios e os planos de viabilidade. Vamos começar pelas propriedades que já produzem uva de mesa, dando a elas a chance de migrar para a uva de vinho. Produtores como o Matielo, em Santa Teresa, que hoje compra uvas da Campanha Gaúcha, estão muito esperançosos de começar a ter oferta local. Há uma expectativa muito grande entre quem já tem cantina e entre quem quer começar do zero.

“O Sebrae agora vai entregar os modelos de negócios e os planos de viabilidade”

Esse movimento também conversa com o turismo, certo?

Totalmente. O Espírito Santo é terra de italianos, de gastronomia rica, e hoje tem dezenas de cervejarias artesanais. Mas vinho e polenta se abraçam, né? A ideia é criar experiências de enoturismo, algo que já existe em outros estados e que pode ser um divisor de águas aqui.

A Casa Nostra, no Distrito Turístico de Pindobas, em Venda Nova do Imigrante, também entrou na rota do vinho?

Entrou, claro! Plantamos 160 pés de uvas de inverno, com quatro variedades. Em breve, quem visitar a Casa Nostra vai poder ver de perto um parreiral de uvas para vinho fino — é lindo. E sim, ele parece uma cerca, não um parreiral tradicional. Tudo para proteger as uvas, que têm teor de açúcar alto e viram festa para os passarinhos.

Na Casa Nostra, que fica no Distrito Turístico de Pindobas, em Venda Nova do Imigrante, foram plantados 160 pés de uvas

E quando o capixaba poderá beber vinho fino produzido aqui, de forma constante?

Já pode. Hoje temos oito rótulos produzidos no Espírito Santo – dois da Quinta dos Manacás, dois do Rodolfo, em Pedra Azul, dois do Vinícius e dois do Levi, de Santa Teresa. São pequenas produções, mas de alta qualidade. Quem quiser degustar basta procurar os produtores no Instagram. E digo mais: especialistas que participaram das degustações afirmam que já estamos produzindo vinhos competitivos nacionalmente.

Vamos deixar de comprar vinhos chilenos, argentinos e uruguaios para tomar vinho capixaba?

Se tivermos volume, sim. Mas o nosso foco agora não é escala – é qualidade e experiência turística. Daqui a 10 ou 20 anos, se tudo der certo, quem sabe? Mas hoje o capixaba precisa saber que já existe vinho fino capixaba e que é muito bom. Falta apenas chegar ao supermercado. Por enquanto, é direto do produtor, e vale cada taça.

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