Diálogo é o caminho para reduzir violência às escolas

Publicado em 08/05/2023 às 15:59

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Imagem de Freepik

Vinte e três escolas afetadas. Trinta e cinco vítimas fatais. Inúmeras pessoas abaladas emocionalmente. Esse é o saldo da violência às escolas no país desde 2002*, segundo estudo “Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil”, realizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Unicamp. Esses ataques, análogos ao crime de ódio, são planejados com antecedência de apenas alguns dias até mais de dois anos, acabam desencadeando outros, com imenso impacto na comunidade. 

“O impacto do ataque a uma escola é muito maior do que qualquer outro. Na escola pessoas convivem diariamente, estabelecem relações. Quando você ataca uma escola, ataca toda a comunidade, a comunidade de entorno, as demais escolas. Quando você ataca uma escola, está atacando a identidade das pessoas”, explica a doutora em Educação Telma Pileggi Vinha, pesquisadora de Relações Intersetoriais do Ambiente Escolar da Unicamp. 

Segundo Telma, esse tipo de violência gera um trauma coletivo cujas consequências podem aparecer meses depois. “Traumas individuais e coletivos, adoecimentos, riscos de nova violência, aumento expressivo de transtornos mentais. É muito comum que aconteça, alguns meses depois, estresse pós-traumático, afastamento do trabalho, consumo de álcool de drogas, abandono. As consequências são muito sérias”, aponta. De acordo com a pesquisa, um ataque geralmente ocasiona mais três na semana seguinte.

Perfil

Pensar soluções para esse problema, que vem impactando a vida da comunidade, passa por buscar compreender as motivações para os atentados. Segundo o estudo da Unicamp, esse tipo de crime ocorre em regiões de nível socioeconômico médio. O perfil de quem realiza os ataques no Brasil é muito parecido com o dos americanos: jovens, do sexo masculino, brancos, com gosto pela violência e por armas, que buscam notoriedade e reconhecimento por determinados grupos. 

“Costumam ser pessoas isoladas socialmente, com indícios de transtornos mentais variados não diagnosticados e não tratados, que possuem valores opressores, com discurso misógino, homofóbico, racista e xenofóbico”, destaca Telma Vinha. “Não se trata do transtorno mental. Muito de nós temos e não atacamos escolas. A questão é o conteúdo de violência e misoginia associado ao transtorno mental”, esclarece. 

Arte em quadro verde de sala de aula, com o perfil de agressor em atentado ás escolas, segundo estudo da Unicamp

O ressentimento é outra característica desses jovens, que enxergam a escola como palco de sofrimento e exclusão. “Eles acham que há grupos injustamente favorecidos na sociedade (como) mulheres, negros, homossexuais, (…), não têm perspectiva de futuro, propósito. Ao contrário, não têm nada a perder, não têm medo de morrer nos ataques que realizam. O massacre na escola é uma espécie de vingança, mas ao mesmo tempo o autor busca ser um herói dos renegados, conquistando fama e respeito entre seus iguais”, completa a pesquisadora.

O estudo da Unicamp aponta que os agressores têm entre 10 e 25 anos e apresentam como marca o isolamento que os torna mais susceptíveis a influências externas extremistas: “Na nossa comunidade, (eles) não têm escuta e eles são ridicularizados. Lá (na internet) não. Lá eles são acolhidos e incentivados, se sentem pertencentes, odeiam a mesma coisa. O ambiente social interfere. Por isso, é urgente que a gente dialogue e crie conexões.” Dos 19 ataques a escolas ocorridos de 2011 a março deste ano, 13 apresentaram indícios de radicalização on-line.

Busca de soluções

Frente ao quadro, Telma entende que é necessária a instituição de uma cultura de paz, com valorização dos afetos e fomento da sensação de pertencimento nos jovens como instrumentos de desradicalização. A pesquisadora entende que, apesar de medidas de redução de vulnerabilidade nas escolas como botão do pânico e segurança externa serem válidas, o ideal é focar em disponibilização de psicólogos nas instituições de ensino, maior controle de armas de fogo e munições, aprovação de projetos que lei que visam a maior regulação e responsabilização das plataformas de redes sociais.

A professora da Unicamp afirma que estudos ao longo de 23 anos sobre políticas de segurança em escolas nos EUA concluíram que a presença de policiais armados em escolas não previne ataques violentos e piora a qualidade do clima escolar. Além disso, eles apontam que escolas sem policiamento têm aproximadamente apenas 3% menos crimes e problemas disciplinares do que as escolas com policiais.

A pós-doutora em psicologia e professora da Ufes Edinete Rosa concorda que a solução está em oferecer mais apoio aos jovens: “Não se trata de colocar policiamento. Quanto mais armas perto das crianças, mais perigo tem. Não gostaríamos de ir por essa linha. Senão, vamos criar uma sociedade amedrontada, mais preocupada em se defender dos ataques do que em promover uma cultura de paz e relações mais saudáveis”, opina.  

Edinete reforça a importância de trabalhar a prevenção, com monitoramento das redes sociais dos jovens, com espaços democráticos nas escolas, apostando sempre em um trabalho pedagógico que acolhe críticas e diferenças. “Uma escola democrática é uma escola aberta à escuta desses estudantes, do sofrimento que estão passando ali. Isso volta em forma de violência mais tarde porque ele não teve espaço de protestar, de colocar seu sofrimento ali na escola”, afirma.  

Arte com quadro verde de escola com propostas para conter violência às escolas

Segundo a psicóloga, é fundamental orientar os filhos a buscar apoio de um adulto, de uma orientadora pedagógica, coordenadora de curso para, no momento da dificuldade escolar, eles conseguirem identificar pessoas com quem podem contar: “Muitas vezes o desabafo acontece com colegas de sala. Mas temos que criar a cultura de reportar a um adulto, porque ele pode ajudar mais. Para isso, o adulto tem que se mostrar aberto, solidário, preocupado, interessado, na vida escolar dessa criança”.

Edinete afirma que, muitas vezes, a escola afasta os jovens pelo foco excessivo no aspecto conteudista. “O professor se coloca como aquele que tem que ensinar alguma matéria (…) e não como aquele que está ali para orientar, acolher, proteger. Quando o adulto se abre à função mais macro, mais completa, o jovem ou a criança passa a enxergá-lo como um fator de proteção pessoal e recorre a esse adulto quando precisa”, explica.

A psicóloga ressalta ainda que a escola, enquanto um lugar que congrega pessoas, crianças em uma fase tão importante do desenvolvimento, tem sim um papel no desenvolvimento emocional dessa criança e desse adolescente: “Eles precisam encontrar um suporte na escola, com profissionais qualificados para ouvir, acolher, orientar e até encaminhar para um atendimento mais específico na rede de saúde do município, se for o caso.” 

Família 

A professora da Ufes e pós-doutora em Educação Cleonara Schwartz destaca a importância do papel da família: “É fundamental que a família se responsabilize pela formação desse estudante de forma a fazer com que ele se desenvolva em um contexto que ele aprenda a respeitar as diferenças, colegas, profissionais. Ele tem que aprender a não fomentar a violência”, diz. Para ela, crianças, jovens e adultos que convivem em ambientes violentos acabam naturalizando a violência e, por isso, é preciso que os pais formem para o humanismo comprometido com a paz e o respeito. 

A escola, por sua vez, também precisa agir preventivamente, segundo Cleonara. “A escola precisa estar atenta aos atos de violência que acontecem lá dentro, buscando identificar o que tem gerado esses comportamentos, para junto da família fazer intervenções precisas nesses sujeitos que habitam a escola e estão trazendo a violência para o ambiente escolar sobre diferentes formas, como desrespeito aos professores, profissionais, aos próprios colegas, à conservação da escola, material pedagógico.”

Quanto ao aumento da segurança física nas escolas, Cleonara Schwartz também entende que esse não é o melhor caminho: “A escola não pode se render a esse tipo de ação. Não pode ser transformada em presídios. Escola tem uma arquitetura própria para aprender. Não é para ficar isolada da sociedade.” 

Conforme ressalta, a segurança é um problema de política pública que deve ser tratado na sociedade, nas ruas. “Não adianta aumentar muro, colocar segurança, grades, cercas elétricas, mais segurança armada nas escolas. Isso não vai resolver o problema da violência que não está dentro da escola. Está fora. É preciso ter políticas públicas para garantir a segurança na sociedade. Assim, a violência não chega até a escola”, afirma Cleonara.

Treinamento de crise

Diante do medo, algumas escolas têm oferecido a alunos e funcionários treinamentos para situações de crise. Segundo o especialista em Gestão de Segurança Escolar, Rafael Luz, é importante agir preventivamente, preparando a comunidade escolar para agir em caso de um ataque. A abordagem, no caso de crianças, é feita de forma lúdica, por meio de histórias. 

Dia Estadual

No dia 8 de maio se comemora o Dia Estadual de Combate à Violência nas Escolas. Criada em 2014, a data foi proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), para lembrar a morte do professor Guilherme Almeida Filho assassinado quando chegava à escola municipal Rosa da Penha, em Cariacica, em 8 de maio de 2013.

Fonte: Ales

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