Regenerar é semear o amanhã
Publicado em 10/11/2025 às 10:29
Texto: Julio Huber / Foto: Morga Fotografia
Você já parou para pensar no que está por trás da xícara de café que chega à sua mesa? Muito além do sabor, do aroma envolvente, existe um movimento silencioso, mas poderoso, que está transformando o campo brasileiro e conquistando o mundo: a agricultura regenerativa. Uma prática que promete não apenas preservar o meio ambiente, mas também garantir o futuro da produção agrícola diante das mudanças climáticas cada vez mais intensas.
O planeta vive em constante transformação e, ao longo dos anos, o clima tem mudado de forma acelerada, e a natureza não para de enviar sinais de alerta: enchentes, secas, queimadas, geadas e temperaturas cada vez mais elevadas deixam claro que algo precisa mudar.
Esses fenômenos despertaram a atenção de governos, empresas, organizações e da própria sociedade, que passaram a desenvolver projetos e iniciativas em busca de alternativas mais sustentáveis para o futuro. No campo, esse movimento tem se refletido diretamente na forma de produzir alimentos.
Hoje, produtos agrícolas oriundos de propriedades que respeitam o meio ambiente ganham cada vez mais espaço nas prateleiras e na lista de prioridades dos consumidores. Do outro lado, associações, cooperativas, empresas e agricultores se mobilizam para cultivar com responsabilidade, preservando os recursos naturais e, ao mesmo tempo, garantindo qualidade e competitividade.
É nesse cenário que a agricultura regenerativa vem ganhando cada vez mais força. Criada pelo norte-americano Robert Rodale em 1983, essa prática se baseia em métodos conservacionistas que priorizam a saúde do solo, a proteção da biodiversidade e o uso equilibrado dos recursos naturais.
Mais do que uma técnica, trata-se de uma filosofia de produção que propõe resgatar e aprimorar princípios já defendidos sobre a agricultura orgânica na década de 1940 por Walter James, em seu livro “Look to the Land” (Olhe para a Terra) – mas agora com estratégias mais modernas e eficazes.
Na cafeicultura, cada vez mais surgem casos bem-sucedidos que revelam o potencial desse modelo de produção. As experiências mostram sistemas mais resilientes, capazes de manter ou até ampliar a produtividade sem abrir mão da sustentabilidade.
Entre as principais estratégias da agricultura regenerativa destacam-se o plantio direto, a rotação de culturas, o manejo integrado de pragas e doenças, a integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e a restauração de áreas como colinas e zonas úmidas. Outro ponto essencial é o sequestro de carbono pelo solo e pela biomassa microbiana, fator determinante para enfrentar os desafios impostos pelo aquecimento global.
Portanto, a agricultura regenerativa não se resume a técnicas de cultivo, mas sim a um conjunto de ações que transformam a relação entre homem e terra: preservam o meio ambiente, geram alimentos mais saudáveis e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas em escala global.
No último ano, a vice-alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU), Nada Al Nashif, destacou que a agroecologia, a agricultura regenerativa, as técnicas de reabilitação de solos e a gestão das pescas são fundamentais para evitar os impactos das mudanças climáticas na alimentação e que é preciso fortalecer a transição para sistemas alimentares sustentáveis.
Fazenda de café capixaba é a mais sustentável do Brasil

Um exemplo prático de que é possível preservar o meio ambiente, produzir com qualidade e agregar valor aos produtos – cada vez mais procurados por mercados mundiais – é a Fazenda Camocim, localizada em Pedra Azul, Domingos Martins, nas montanhas do Espírito Santo. No último dia 25 de setembro, a Camocim foi eleita a mais sustentável do Brasil, na categoria Médias Propriedades, do Prêmio Fazenda Sustentável.
Henrique Sloper, CEO da Camocim, conta que mais de 100 hectares de sua propriedade são destinados ao cultivo de café orgânico. “Nunca usamos um defensivo agrícola e nem adubo químico em nossa propriedade desde que começamos a cultivar café em 1996. Já praticamos a agricultura regenerativa desde quando começamos a cultivar aqui. Para nós não existiu uma transição, porque nunca praticamos técnicas tradicionais de cultivo”, enfatizou o cafeicultor e empresário.
“Temos que usar a natureza a nosso favor, não contra a gente”
Henrique Sloper
Na propriedade, praticamente tudo que é usado nas lavouras é de produção própria, inclusive os produtos para o controle de doenças e pragas. “Usamos sete homeopatias na terra, que fortalecem o solo. Um exemplo é a micorriza, que é um fungo que cresce naturalmente no solo rico e que interliga as plantas, tornando-as mais resistentes e, consequentemente, mais saudáveis, o que leva a um aumento de produtividade e de qualidade”, destacou.
E para chegar ao nível atual, Sloper destaca importantes parceiros na sua jornada, como o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), que financiou a estrutura da fazenda, desde os equipamentos da torrefação até a cafeteria da propriedade, que recebe visitantes e turistas de todo o mundo. Atualmente, além de comercializar seus cafés no Brasil, os grãos especiais da Camocim estão presentes em importantes cafeterias do Japão, Estados Unidos, Paris (França), Suíça, Reino Unido e diversos outros países.
Médico vira produtor de café orgânico e protetor da natureza

Saindo de uma altitude de cerca de 1.200 metros acima do nível do mar, onde são produzidos os grãos de café arábica da Camocim, a revista Negócio Rural foi para Atílio Vivacqua, município no Sul do Espírito Santo – a 50 metros de altitude – onde são produzidos grãos de café conilon orgânicos. É onde fica a propriedade Córrego São Luiz, do médico gastroenterologista aposentado Carlos Renato Santana, 70 anos.
Carlos Renato foi criado em Cachoeiro de Itapemirim e se formou em Vitória. Atuou como médico em Brasília, em Campos (RJ) e depois em Macaé, também no Rio de Janeiro, onde trabalhou por mais de 30 anos até se aposentar, há cerca de um ano. Como seu pai adoeceu, há cerca de 20 anos, ele passou a frequentar mais a fazenda, que tem 100 hectares. Com a morte de seu pai, Carlos Renato passou a aumentar a frequência das visitas, período em que passou a plantar café, até que decidiu se mudar de vez.

TRANSFORMAÇÃO – Quando se chega à propriedade, que fica em meio a muito verde, não dá para imaginar como era o local há 15 anos, quando não existia vegetação e nem os dois grandes lagos que dão vida à sede da fazenda e cuja água serve para o uso em toda a propriedade. Diversas técnicas de recuperação da propriedade foram feitas pelo médico, como a construção de inúmeras caixas secas e outras técnicas de retenção de água, plantio de árvores e frutíferas, entre outras.
Desde que iniciou os trabalhos na fazenda, a intenção sempre foi produzir café orgânico e transformar a propriedade em um exemplo de sustentabilidade. E ele conseguiu. Hoje a fazenda é como um oásis no município. “Sempre tive o objetivo de ser o mais correto ecologicamente possível e tentar ser um exemplo. Aqui na minha região não tem produtores de orgânicos. E eu quis ser um farol”, relatou ele.
Atualmente, há 20 mil pés de café produzindo uma média de 190 sacas por ano. “A produtividade está baixa e preciso aumentar. Vou implantar novas variedades e melhorar algumas técnicas. Inclusive, mantenho uma lavoura que foi plantada diretamente da semente, há uns 40 anos, e que estava abandonada”, revelou ele.
Cooperativa oferece suporte e exporta o café orgânico de produtores

Quando Carlos Renato começou a plantar café orgânico, a falta de conhecimento foi um dos principais desafios, além da dificuldade para adquirir bioinsumos, que vinham de outros estados. “No início eu tive o apoio do Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), até que surgiu a Cafesul (Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo)”, lembra.
Sediada no município de Muqui, a Cafesul hoje possui atualmente 197 cooperados de nove municípios capixabas, mas apenas 10 são produtores de orgânicos. Carlos Renato é o que possui a maior produção. Todo o café orgânico produzido pelo grupo de cafeicultores cooperados é exportado, principalmente para a Suíça e Alemanha, pela Cafesul. Os produtores recebem ainda o apoio técnico e conseguem adquirir insumos com preços bem abaixo do mercado.
“Por meio da cooperativa eu tenho tudo que preciso. Tem um técnico que me dá assistência, adquiro produtos biológicos praticamente a preço de custo, compro o adubo e depois pago, e toda a assistência técnica para a obtenção do certificado de orgânico foi paga pela cooperativa, que ainda é responsável pela venda de toda a minha produção. Hoje, sem a Cafesul seria impossível produzir café orgânico”, afirmou o cafeicultor.
DEMANDA CRESCENTE – Presidente da cooperativa, Carlos Renato Alvarenga Theodoro informou que a Cafesul está buscando produtores de café orgânico de outros municípios para poder suprir uma demanda de mercado. Segundo ele, compradores do Canadá também estão interessados no café, além da crescente demanda nos mercados em que a cooperativa já atua. A produção atual de cafés orgânicos da Cafesul é de cerca de 600 sacas por ano.
“A demanda está crescendo a cada ano e damos todo o suporte para o cafeicultor que queira iniciar e para aqueles que já produzem café orgânico. Como a cooperativa é certificada Fairtrade (Comércio Justo), o fato de o café ser orgânico já rende ao produtor um valor de cerca de R$ 300 a mais por saca. Mas, se o produto for de qualidade, ainda tem adicionais, o que dá um diferencial ainda maior”, contou o presidente da Cafesul.


Programa pretende difundir o tema a mais de 1,5 mil produtores rurais

Foi pensando em propagar a agricultura regenerativa no Espírito Santo que a empresa Ampliê criou o programa Caminhos para Regenerar. A ideia é levar conhecimento sobre o tema aos agricultores, para que cada vez mais propriedades passem a produzir de forma sustentável e com ações voltadas à preservação ambiental, promovendo uma aceleração para a agricultura regenerativa.
O projeto busca engajar produtores, técnicos e parceiros estratégicos na adoção de práticas agrícolas que melhorem a saúde do solo, aumentem a captura de carbono e promovam cadeias de suprimentos mais sustentáveis. Com foco nos pilares ambiental, social e de governança (ESG), o programa atua na capacitação de pequenos e médios produtores.
As ações incluem circuitos de eventos técnicos, com workshops e dias de campo em propriedades que já aplicam práticas regenerativas, além da produção de conteúdos digitais e audiovisuais para disseminar conhecimento e soluções inovadoras. Em 2025, o programa está com edições dedicadas a diferentes cadeias produtivas, como café, cacau, mamão e pimenta-do-reino em diversas regiões do Espírito Santo.
“O programa nasceu com um foco regional, mas com ambição de escala. A meta é impactar inicialmente até 1.500 produtores diretamente nos encontros, mas também criar uma rede de disseminação de conhecimento que alcance até 5.000 pessoas de forma indireta. A ideia é que cada produtor se torne um multiplicador das práticas regenerativas em sua comunidade”, informou a gerente comercial da Ampliê, Lorena Silva.
Ela enfatizou a importância dos parceiros para a execução do programa, especialmente o Sicoob, que é o mantenedor do projeto. “O Sicoob representa a força financeira e de crédito, essencial para viabilizar a transição dos produtores. Juntos, criamos um ecossistema de apoio no qual o produtor não caminha sozinho. A regeneração só acontece em rede e é essa rede de parceiros que torna o programa viável e sustentável no longo prazo”, acrescentou Lorena.
O gerente de Crédito e Agronegócios do Sicoob, Eduardo Ton, destacou o apoio da cooperativa de crédito em ações com foco na sustentabilidade das propriedades. “Desde 2018 temos uma linha de crédito voltado ao fomento da transição energética para a energia limpa, chamado Sicoob Ecoar. Já foram financiados mais de oito mil projetos, em que foram liberados mais de R$ 630 milhões para apoiar nossos cooperados e favorecer o meio ambiente”, informou.
Assista, abaixo, a um vídeo com mais informações sobre a agricultura regenerativa
Programa que transforma cafeicultores em produtores de água em Minas Gerais chega ao Espírito Santo

Visando contribuir para a preservação ambiental nas propriedades de café do Brasil, um projeto criado pelo Conselho Nacional do Café (CNC) tem mostrado resultados e mudado a paisagem de propriedades. O Programa Café Produtor de Água tem o objetivo de revitalizar bacias hidrográficas e matas ciliares em áreas produtoras de café, criando um ambiente propício à produção agrícola sustentável.
A proposta também busca fomentar parcerias institucionais que viabilizem a adoção de práticas conservacionistas e estratégias de manejo voltadas à ampliação da cobertura vegetal, à redução da erosão e da sedimentação e ao aumento da infiltração de água no solo.
Para isso, diversas ações são desenvolvidas em propriedades de café de Minas Gerais desde 2021, entre elas a construção de terraços, barraginhas e drenos (bigodes) para melhor infiltração da água da chuva e a melhoria das estradas rurais, transformando-as em estradas ecológicas com elevações para diminuir a velocidade da água e evitar a erosão.
Também são feitos o plantio de árvores nativas em áreas degradadas; a revitalização de matas ciliares; o plantio de plantas de cobertura nas entrelinhas do café; a proteção de nascentes através de cercamentos; a capacitação de produtores e diversas outras ações.
O programa ainda realiza a certificação e remuneração através do Prêmio por Serviços Ambientais (PSA), que compensa produtores rurais por ações de conservação ou recuperação ambiental em suas propriedades. Este ano, o programa chegou ao Espírito Santo. O CNC tem como associadas as mais importantes cooperativas de café do Brasil, e é um braço operacional do sistema OCB para o café.
Consultor do CNC para o programa Café Produtores de Água, Devanir Garcia dos Santos explicou que o projeto foi desenvolvido com o objetivo principal de tornar mais sustentáveis as lavouras de café do Brasil. “Isso é importante porque aumenta a produção de água nessas bacias e assim terá mais água para a irrigação e para o fornecimento às cidades”, contou.
Segundo ele, além de produzir café, as propriedades passam a coletar a água das chuvas, por meio de construção de barraginhas, caixas secas e outras técnicas. “Precisamos recolher o máximo possível da água que cai naquela superfície. Além das práticas mecânicas, também trabalhamos com a recuperação da vegetação e proteção das nascentes”, explicou.
Os cafeicultores que integram o programa passam a receber recursos por reduzir a erosão da propriedade, recuperar nascentes e áreas degradadas, entre outras práticas. Os recursos são oriundos principalmente de bancos que utilizam o Funcafé. “Mostramos para as instituições financeiras que elas precisam colaborar, porque uma agricultura sustentável tem maior negociação com os mercados internacionais. Assim conseguem investir mais nas propriedades”, detalhou.
Em Minas Gerais, o programa do CNC avançou no município de Monte Carmelo com o apoio da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado Monte Carmelo (MonteCCer). Já em Varginha, o Sicoob Credivar e a Cooperativa Agroindustrial de Varginha (Minasul) apoiaram o programa.

EXEMPLO MINEIRO – O cafeicultor André Luiz Paulino Terra, 29, do Sítio Cachoeira Grande, em Alpinópolis, no Sul de Minas Gerais, foi um dos primeiros a aderir ao programa. A propriedade, que faz parte da Sub-Bacia do Ribeirão da Conquista, é gerida por André e seu pai. O objetivo do programa é trabalhar com 276 propriedades dentro dessa área e alcançar, em cinco anos, mais de 250 hectares destinadas à preservação. A intenção é construir mais de mil barraginhas.
André Luiz é cooperado da Cooxupé, que é a maior cooperativa de café do Brasil e foi quem levou ao cafeicultor o Programa Café Produtores de Água. “Este ano completa o terceiro ano do projeto em nossa propriedade, que surgiu como possibilidade para nos auxiliar em práticas de conservação de água e solo, com o manejo mais correto”, disse André, que produz uma média de 35 sacas de café por hectare, tendo o cultivo em sete hectares.
Ele contou que a família resolveu aderir ao programa por entender que o mercado tem valorizado cada vez mais os produtos oriundos de propriedades que se preocupam em preservar o meio ambiente. “Temos uma propriedade pequena, de agricultura familiar, e para nós é importante por conta da visibilidade até internacional, e ainda tem uma compensação por alguma área que destinarmos à preservação”, disse.

Na propriedade da família de André Luiz foram feitos cercamentos de nascentes e construção de pequenas barragens para preservar água de chuva. “Por ser uma área de muito declive, os benefícios com essas práticas são imediatos. Quando chovia muito, às vezes era preciso esperar uma semana para conseguir subir pelas estradas, porque se abriam grandes crateras. Essas caixas de contenção ajudam a segurar essas águas de enxurrada para não termos mais esse problema. Percebemos também que essa água que ia escorrer infiltra mais na terra e melhora a lavoura”, contou.

MENOS EROSÃO
Outro cafeicultor que tem colhido os frutos do programa é Daniel Marques de Lima, 61, do Sítio Passes, também de Alpinópolis. Ele começou a plantar café há cerca de 35 anos. “Eu e meus irmãos formamos duas mil mudas e plantamos. A partir daí fomos plantando mais. Quando meus pais faleceram, dividimos a pequena propriedade e eu continuei na lavoura. Hoje tenho em torno de 30 mil pés e trabalho com leite na parte que não dá pra café”, explicou.
As ações do Café Produtor de Água começaram na propriedade há três anos, por incentivo da Cooxupé. “Na minha propriedade tinha muita erosão e prejudicava muito as águas. Foram feitas curvas de níveis, barragens e caixas secas. Os principais benefícios foram a diminuição da erosão, a preservação de nascentes e o aumento das águas. As lavouras melhoraram e, com certeza, valeu muito a pena. Melhoramos a lavoura e, ao mesmo tempo, cuidamos do nosso planeta, que é a nossa casa”, contou.
Cooperativas se unem para impulsionar programas ambientais no Espírito Santo

No último mês de agosto, o Programa Café Produtor de Água foi oficialmente iniciado no Espírito Santo, onde se uniu a outro programa reconhecido nacionalmente, que é o Programa Estadual de Ampliação de Cobertura Florestal (Reflorestar). Criado em 2011 pelo governo do Estado, o Reflorestar tem o objetivo de pagar os produtores rurais que realizarem ações em prol da recuperação de nascentes e áreas degradas nas propriedades.
E, para reforçar a união dos dois programas, quatro cooperativas capixabas vão levar até seus cooperados as atividades propostas: Cooabriel, Cafesul, Nater Coop e Sicoob/ES, com apoio integral da OCB/ES. A parceria prevê a integração de esforços entre as partes para desenvolvimento, implantação, operacionalização e acompanhamento da iniciativa, com o objetivo principal de promover ações que fomentem o fortalecimento da cafeicultura sustentável.
O foco é conservar e recuperar matas ciliares e mananciais, ampliar a segurança hídrica e promover a adequação ambiental das propriedades rurais produtoras de café, bem como promover o repasse de prêmios mediante a execução de ações alinhadas com os objetivos do programa, por parte de proprietários rurais que a ele aderirem.

O programa será operacionalizado em todo o estado do Espírito Santo, no âmbito da atuação das cooperativas, bem como das demais partes envolvidas e futuros interessados. A ideia é unir esforços com ações já existentes, como o Reflorestar, executado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), e o Programa de Desenvolvimento Sustentável da Cafeicultura, da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
O diretor-executivo do Sistema OCB/ES, Carlos André Santos de Oliveira, lembrou que foram 18 meses para construir essa junção dos projetos ambientais. “Esses dois importantes programas conversam entre si. Recuperação do solo, preservação do meio ambiente e aumento da produtividade. Isso dá ainda mais credibilidade e fortalece o comércio exterior do café capixaba. Essa é uma pauta exigida pelo mercado europeu, asiático e norte-americano”, destacou.
Comunidade transforma propriedade degradada em agroecológica

Muito além de um conceito de produção, migrar o cultivo tradicional para a agricultura regenerativa, agroecológica ou orgânica – em que a preservação ambiental é o foco – traz benefícios não apenas para a natureza, mas também para quem atua nas lavouras, que deixa de utilizar agrotóxicos e produz alimentos mais saudáveis. Além disso, em muitos casos, essa é a única maneira de se conseguir uma produção, principalmente em áreas degradadas, onde produzir da forma convencional seria custoso e inviável.
Foi exatamente isso que fizeram os moradores da comunidade de Feliz Lembrança, em Alegre, na região do Caparaó Capixaba. Foi por meio de um grupo de jovens da igreja Católica local que moradores se uniram, em 2003, com o propósito de melhorar a vida da comunidade. Poucos anos depois foi reativada a Associação de Produtores Rurais e Moradores de Feliz Lembrança (Amfla).
Com o passar dos anos, diversas melhorias foram conquistadas para a comunidade, por meio do esforço dos sócios. Mas, em 2019, um passo importante foi dado, que foi a compra de uma propriedade de 30 alqueires, dividida para 30 famílias. Boa parte do terreno estava deteriorado, com erosão, e era preciso mudar aquela realidade. Em 2021, os moradores tomaram posse definitiva da propriedade, conquistada por meio do Crédito Fundiário, do governo federal, que prevê facilidades para o pagamento.

Foi aí que a transformação começou. E as parcerias importantes foram se juntando, como o Programa Reflorestar, que forneceu apoio técnico, mudas e todo o suporte necessário para a recuperação das terras, como explica o presidente da Amfla, Paulo Gonçalves. Segundo ele, na época, representantes da empresa MV Gestão Integrada, que presta serviço de consultoria para o Reflorestar, explicaram como funcionava o programa.
“Tínhamos que recuperar o terreno para poder plantar e gerar renda, porque as contas chegariam e teríamos que produzir para pagar. Mas o terreno estava muito degradado. Foi quando conhecemos o Reflorestar. Os técnicos nos passaram os detalhes e iniciamos os trabalhos de regeneração do terreno”, contou Paulo Gonçalves.
Cultivo agroflorestal já está produzindo em áreas recuperadas
Hoje, os proprietários já estão cultivando café, abacate, banana, palmito, cajá, pitanga, amora e outras plantas frutíferas no terreno adquirido em conjunto. Em locais onde existiam crateras causadas por erosão e onde a terra estava improdutiva, hoje brota esperança, vida e preservação ambiental. O verde tomou conta do cinza das pastagens e da terra devastada. Nascentes apareceram, e em áreas antes secas, hoje correm rios.
“Por meio do programa Reflorestar recebemos um croqui com as indicações de plantios para cada área da propriedade. Eu optei por plantar mais frutíferas entre as carreiras de café porque eu faço feira e já estou vendendo as frutas. O que eu não aproveito, os pássaros e outros animais aproveitam”, contou o agricultor familiar Henrique da Silva Azevedo, 43.
Henrique explicou que, por meio do Reflorestar e de outras parcerias, ele aprendeu a produzir bioinsumos usados nas lavouras, seja para a nutrição ou para o combate de pragas e doenças. “Nossa produção é agroecológica, mas eu quero torná-la regenerativa. Estamos implementando as técnicas para essa transição. Essa é a tendência, pois o clima está mudando e temos que pensar em produzir e preservar. Outro fator é a qualidade de vida, pois faz bem para quem trabalha e para quem consome”, acrescentou.

COOPERATIVISMO – Além do café, a associação entrega, semanalmente, produtos para programas de merenda escolar. E, para ajudar nessa entrega e comercialização, a maior parte dos produtos é repassada para a Cooperativa da Agricultura Familiar de Cachoeiro de Itapemirim (Caf Cachoeiro) e para a Cooperativa da Agricultura Familiar de Muniz Freire (Caf Muniz Freire).
O presidente da Amfla disse que considera o cooperativismo e o associativismo modelos semelhantes. “Sempre buscamos trabalhar com cooperativas porque fortalece um conjunto de pessoas. O Sicoob é um exemplo que, além de ajudar aos cooperados, distribui o lucro. É um sistema interessante de desenvolvimento social. Também compramos produtos e insumos para as lavouras da Nater Coop, que é outra cooperativa e que oferece preços bons”, contou Paulo Gonçalves.
Reflorestar já restaurou mais de 9 mil hectares no Espírito Santo

O programa Reflorestar, que foi iniciado em 2011, já atendeu 4.379 famílias rurais, apoiando a manutenção de 11,9 mil hectares de floresta em pé e a restauração de 9,5 mil hectares em todo o Espírito Santo, por meio de diferentes modalidades. De acordo com o coordenador do programa, Gabriel Nunes, já foram investidos mais de R$ 108 milhões durante o período.
“Nos últimos anos, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) vêm se consolidando como uma das modalidades de maior adesão do programa, com 3,5 mil hectares apoiados. Entre os arranjos mais utilizados, destaca-se o SAF com café, especialmente na região Sul do Estado. Um exemplo desse avanço é a comunidade Feliz Lembrança, onde 30 famílias aliam restauração ecológica, geração de renda e fortalecimento comunitário”, destacou Nunes.
A comunidade de Feliz Lembrança já recebeu cerca de R$ 360 mil por ter recuperado as áreas degradadas. O valor foi dividido entre as 30 famílias, de acordo com o tamanho da área preservada de cada unidade.

